Preço de Transferência no Brasil e a Declaração País-a-País

23.11.2018 EM Financeiro

Por Demetrio Barbosa

A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou no Diário Oficial da União de 2/12/2016 a Instrução Normativa RFB nº 1681 (IN RFB 1681/16), que trata da obrigatoriedade da prestação das informações da Declaração País a País. Já havia abordado o tema em artigo de 29/11/2016, motivado pela Consulta Pública RFB 11/2016, que resultou na instrução normativa em referência.

A IN RFB 1681/16 ratifica o compromisso do Brasil com o BEPS[1] e estabelece que a Declaração País-a-País será prestada anualmente, em relação ao ano fiscal encerrado imediatamente anterior, mediante preenchimento da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) e sua transmissão ao Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).

A primeira Declaração País-a-País terá como ano fiscal de declaração o ano fiscal iniciado a partir de janeiro de 2016.

Será responsabilidade da controladora final de um grupo multinacional a entrega da Declaração País-a-País. Caberá ao contribuinte brasileiro indicar à RFB se é a controladora final do grupo multinacional ou entidade substituta. Quando a empresa brasileira não se enquadrar em uma das opções, deverá indicar a jurisdição de residência para fins tributários da entidade declarante. Nota-se a preocupação da RFB em conhecer aquele país que eventualmente poderá solicitar a disponibilização da Declaração País-a-País.

A entrega da Declaração País-a-País para as entidades integrantes residentes no Brasil é obrigatória somente quando a receita consolidada total do grupo multinacional no ano fiscal anterior ao ano fiscal de declaração for superior R$ 2.260.000.000,00 (dois bilhões, duzentos e sessenta milhões de reais), se o controlador final for residente no Brasil para fins tributários; ou € 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de euros), ou o equivalente convertido na moeda local da jurisdição para fins tributários do controlador final no ano anterior.

O conteúdo da Declaração País-a-País é semelhante àquele sugerido pelo BEPS, qual seja:

Informações agregadas por jurisdição, na qual o grupo multinacional opera;

Os montantes de receitas total e das obtidas de partes relacionadas e não relacionadas;

Lucro ou prejuízo antes do imposto sobre a renda;

Imposto sobre a renda pago;

Imposto sobre a renda devido;

Capital social;

Lucros acumulados;

Número de empregados;

Ativos tangíveis diversos de caixa e equivalentes de caixa;

Identificação de cada entidade integrante do grupo multinacional;

Natureza de suas principais atividades econômicas.

As informações de valores constantes da Declaração deverão ser prestadas em uma única moeda, a ser escolhida e indicada pela entidade declarante e único idioma a ser escolhido pela entidade declarante dentre as opções de português, inglês e espanhol.

Uma empresa residente para fins tributários no Brasil, ainda que não seja a controladora final de um grupo multinacional, será obrigada a entregar a Declaração País-a-País do grupo em algumas situações:

Quando o controlador final do grupo multinacional do qual faz parte não seja obrigado à entrega em sua jurisdição;

Quando a jurisdição de residência do controlador final tenha firmado acordo internacional com o Brasil, mas não tenha acordo de autoridades competentes com o País; ou

Por falha sistêmica da jurisdição de residência do controlador final do grupo multinacional que tenha sido notificada pela RFB à entidade integrante residente para fins tributários no Brasil.

A empresa brasileira também não será obrigada à entrega da Declaração País-a-País à RFB caso o grupo multinacional tenha a disponibilizado por meio de uma entidade substituta que satisfaça as seguintes condições:

O conteúdo da Declaração País-a-País da entregue pela substituta seja o mesmo estabelecido pela RFB;

A entrega da Declaração País-a-País ocorra em até 12 (doze) meses a contar do último dia do ano fiscal de declaração do grupo multinacional;

A jurisdição de residência da entidade substituta tenha firmado acordo de autoridades competentes com o Brasil;

A jurisdição de residência da entidade substituta não tenha notificado a RFB nem tenha sido por ela notificada da ocorrência de falha sistêmica;

A entidade substituta informe à sua jurisdição que é a entidade declarante;

A RFB tenha sido informada da existência e identificação da entidade declarante.

Por necessidade óbvia, o legislador definiu o que seriam os acordos de autoridades competentes e acordo internacional:

Acordo de autoridades competentes: significa um acordo executivo em vigor, entre representantes autorizados de 2 (duas) ou mais jurisdições signatárias de um acordo internacional, que exija a troca automática de Declarações País-a-País entre tais jurisdições;

Acordo internacional: refere-se a um acordo do qual o Brasil seja signatário que autorize a troca de informação tributária, incluindo intercâmbio automático, entre o País e outra jurisdição, ou outras jurisdições, podendo ser:

Convenção Multilateral para Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Tributários;

Qualquer convenção ou acordo internacional bilateral ou multilateral em matéria tributária que contenha cláusula específica para troca de informação tributária;

Um acordo para intercâmbio de informações tributárias.

Quando consultado o sítio da RFB sobre uma lista de países signatários de acordos internacionais de troca de informações com o Brasil, somos a consultar a página OCDE que relaciona os seguintes países:

A partir de 2017: Anguilla, Argentina, Barbados, Belgium, Bermuda, British Virgin Islands, Bulgaria, Cayman Islands, Colombia, Croatia, Curaçao, Cyprus, Czech Republic, Denmark, Estonia, Faroe Islands, Finland, France, Germany, Gibraltar, Greece, Greenland, Guernsey, Hungary, Iceland, India, Ireland, Isle of Man, Italy, Jersey, Korea, Latvia, Liechtenstein, Lithuania, Luxembourg, Malta, Mexico, Montserrat, Netherlands, Niue, Norway, Poland, Portugal, Romania, San Marino, Seychelles, Slovak Republic, Slovenia, South Africa, Spain, Sweden, Trinidad and Tobago, Turks and Caicos Islands, United Kingdom.

A partir de 2018: Albania, Andorra, Antigua and Barbuda, Aruba, Australia, Austria, The Bahamas, Bahrain, Belize, Brazil, Brunei Darussalam, Canada, Chile, China, Cook Islands, Costa Rica, Dominica, Ghana Grenada, Hong Kong (China), Indonesia, Israel, Japan, Kuwait, Lebanon, Marshall Islands, Macao(China), Malaysia, Mauritius, Monaco, Nauru, New Zealand, Panama, Qatar, Russia, Saint Kitts andNevis, Samoa, Saint Lucia, Saint Vincent and the Grenadines, Saudi Arabia, Singapore, Sint MaartenSwitzerland, Turkey, United Arab Emirates, Uruguay, Vanuatu.

É interessante notar que os Estados Unidos (EUA), um dos principais parceiros comerciais do Brasil, não consta da lista acima. Por seu turno, no intuito de identificar possíveis evasões fiscais, os EUA promulgou o já conhecido Foreign Account Tax Compliance Act, (“FATCA”) com o objetivo de combater a evasão fiscal dos sujeitos passivos norte-americanos não isentos do pagamento de impostos em relação a rendimentos ou outros ganhos obtidos fora dos EUA. Assim como a Declaração País-a-País, o FATCA também depende de acordos bilaterais estabelecidos entre os EUA e outros países. Nesse contexto de globalização dos mercados, possibilidades diversas de fluxo de recursos e busca de transparência tributaria entre os países motivados pelo FATCA, Brasil e Estados Unidos firmaram acordo para compartilharem informações sobre residentes americanos com movimentações financeiras no Brasil e sobre pessoas físicas ou jurídicas brasileiras que movimentam recursos em entidades bancárias nos EUA[2].

É esperado também que Brasil e EUA, seja por meio de acordo bilateral ou acordo multilateral no âmbito da OCDE, venham a celebrar acordo para compartilhar informações contidas na Declaração País-a-País. Essa espera tem gerado uma grande expectativa nas multinacionais americanas com operações no Brasil, pois a inexistência de acordo para compartilhar informações levaria a entidade brasileira à obrigatoriedade de preparar a Declaração País-a-País do grupo multinacional e reportar à Receita Federal do Brasil.

Não obstante à Declaração País-a-País, as informações relativas aos cálculos de preços de transferência das empresas brasileiras continuam a serem exigidas como parte da ECF. Dentre as informações de maior relevância, destaco que a opção por um dos métodos previstos na legislação pertinente continua a ser efetivada na ECF e não poderá ser alterada uma vez iniciado o procedimento fiscal, salvo quando o método ou algum de seus critérios de cálculo venha a ser desqualificado pela fiscalização.

[1] O BEPS é representado por um grupo de países que inclui os 34 membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, outros oito países membros do G-20, representados pelos Ministros da economia e presidentes de bancos centrais dos 19 países de economias mais desenvolvidas do mundo e Colômbia e Letônia, que devem ingressar na OCDE.

[2] Decreto n.º 8.506, de 24 de agosto de 2015, Acordo para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA, firmado em Brasília, em 23 de setembro de 2014.

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